Mais de 100 países fecharam suas escolas para tentar conter a propagação do coronavírus. De acordo com a Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), cerca de 800 milhões de crianças e adolescentes estão sendo afetadas pelo isolamento. Isso significa a metade dos estudantes do mundo. Educador, Dr. Italu Colares mostra como diante dessa situação o futuro será marcado pelas aulas online cada vez mais frequentes.
A pandemia chegou ao Brasil há um ano. De lá para cá, o mundo web se tornou fonte para estudo, trabalho, manter os relacionamentos pessoais e se entreter quando não se pode sair de casa. Porém, com o fechamento das escolas, o ensino a distância (EAD) foi a forma indicada para minimizar o impacto negativo da pandemia sobre a educação.
Dando um mergulho na história das universidades, o professor especialista em educação eletrônica, Dr. Italu Colares, lembra que “é importante observar que, desde a criação das primeiras universidades, nos séculos XII e XIII, na idade média, como a Universidade de Bolonha, criada em 1190, a Universidade de Oxford, fundada em 1914, e a Universidade de Paris criada em 1215, esta instituição social vem tentando conquistar sua autonomia, primeiramente, diante do poder da Igreja, pois a universidade Medieval se estruturou fundamentalmente como uma corporação sob o controle da Igreja”, explica.
Porém, a partir do século XV, com a emergência dos Estados nacionais, a universidade passou a ser controlada pelo poder do Estado. “A reforma protestante cinde a dinâmica da instituição, rompendo com o monopólio da Igreja, mas a reação da contra reforma teve uma forte influência, sobretudo na península Ibérica e em suas colônias”, detalha o acadêmico.
Alguns anos depois, recorda Dr. Italu, “a universidade iluminista foi sacudida pela revolução de 1789, anti-universitária por excelência, pois condenou a instituição universitária como sendo um aparato do regime antigo, colocando em seu lugar escolas profissionais de ensino superior. Da França e da Prússia surgiram, no início do século XIX, as primeiras modernas e laicas: a napoleônica, para formar quadros para o Estado, a de Berlim, com ênfase na integração entre o ensino e a pesquisa”.
Por isso, ressalta Dr. Italu, a universidade desde os seus primórdios, enquanto instituição, “vem buscando conquistar tal autonomia, sendo que a história da universidade se confunde com a sua luta pela conquista da autonomia acadêmica, didática e administrativa”.
Além disso, o educador lembra que as faculdades e universidades se moldaram conforme as instituições de ensino do século XIV, “mesmo com as diversas mídias digitais acessíveis para os nichos empresariais e educacionais, essas permanecem neste mesmo modelo retrógrado. A verdade é que as instituições de ensino aplicaram essas diversas mídias e tecnologias a esse modelo. O modelo retrógrado nunca saiu do bojo das universidades”.
“O EaD veio como um artigo de luxo sem que o anterior fosse substituído. O mais interessante disso é que a cada dia que passa surgem programas acadêmicos que exigem cada vez menos dos estudantes. Um exemplo disso são os sequenciais superiores amparados pela LDB. Isso prejudica também a qualidade dos nossos futuros profissionais que cada vez estudam menos”, lamenta Dr. Italu.
Diante dessa situação, o educador se entristece, pois acredita que “tais programas criarão profissionais cada vez menos qualificados para o mercado. Enquanto isso, mesmo as universidades que no fundo demonizam o EaD, por meio de sua publicidade a divulgam para aumentarem seus rendimentos”.
Por outro lado, Dr. Italu destaca que o preconceito em relação ao ensino a distância (EaD) tem diminuído de forma considerável nos últimos anos. “Apoiando-se na dificuldade de levar o conhecimento às regiões mais afastadas do país, instituições conceituadas aderiram a esse modelo de ensino e passaram a oferecer cursos dessa natureza, realizados total ou parcialmente a distância”.
Em meio a uma sociedade cada vez mais interconectada por redes de tecnologia digital, cursos não presenciais são criados e difundidos rapidamente por meio da internet, rompendo uma das principais barreiras do EAD realizado por meio de veículos como correio, rádio ou televisão, segundo o educador: a completa falta de interatividade no processo. “Exemplos comuns dessa tecnologia são os sistemas de videoconferência nos quais sinais de áudio e vídeo, são transmitidos via satélite ou por meio de uma rede de computadores. O canal de comunicação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Interlab ), estabelecido entre os participantes, possibilita ver e ouvir simultaneamente uns aos outros, em tempo real e de forma interativa”.
Assim, ele conta que ferramentas dessa natureza são muito utilizadas em cursos não presenciais. “O aumento da interatividade na relação professor-aluno (ou aluno-aluno) pode contribuir com a busca de soluções para um dos grandes desafios de pesquisadores ligados ao EaD – aumentar a sensação de presença dos envolvidos no processo”.
A História do EaD no Mundo
O local: a cidade de Boston, nos Estados Unidos. O ano: 1728. Se você estivesse por lá, folheando o jornal da cidade, teria se deparado com um anúncio inusitado. O professor Caleb Phillips oferecia um curso de Taquigrafia (uma técnica para escrever à mão de forma rápida, usando códigos e abreviações) para alunos em todo o país, com materiais enviados semanalmente pelo correio. Este foi o primeiro registro de um curso a distância.
Mais de cem anos depois, em 1833, na Suécia, a universidade da cidade de Lund oferecia um curso de composição por correspondência. Em 1840, na Inglaterra, começava um curso também de Taquigrafia de passagens bíblicas, em que o professor Isaac Pitman incentivava os alunos a escreverem postais com textos abreviados.
E se hoje podemos aprender uma nova língua conversando com professores pela internet, é interessante saber que as experiências pioneiras neste campo surgiram em 1856, na Alemanha. Ou seja, já era possível aprender outro idioma usando a metodologia do EaD a mais de 160 anos.
A partir do século XIX, o EaD começou a ser utilizado em vários outros países como solução para que pessoas que viviam distantes de instituições de ensino pudessem aprender. Além de novos cursos nos Estados Unidos, Suécia e Alemanha, surgiram também iniciativas na França, na antiga União Soviética, Japão, Austrália, Noruega, África do Sul, Argentina, Espanha e muitos outros países.
O especialista em educação eletrônica, Dr. Italu Colares, aproveita este contexto histórico e enfatiza que “no começo, os cursos EAD eram voltados para aperfeiçoamento profissional ou ofereciam conteúdo complementar da formação universitária. Com o passar do tempo, foi se tornando possível fazer até uma graduação completa a distância”.
Um ponto interessante é que o EAD sempre acompanha a evolução das tecnologias de comunicação. Se uma sala de aula presencial hoje é muito semelhante à de 200 anos atrás, não se pode dizer o mesmo do EAD. Veja como o formato tem evoluído, de acordo com a análise de Dr. Italu:
– Até os anos 1910 havia cursos por correspondência baseados em materiais impressos. A partir da década de 1910, o uso de slides e audiovisuais como materiais adicionais, passou a ser recorrente.
– Nas décadas de 1910 até 1940, período que compreendeu as duas grandes guerras mundiais, o rádio foi utilizado para transmitir conteúdos.
Na década de 1950, com a invenção da TV, começaram também as primeiras experiências de telecursos. A partir de 1970 as tecnologias deste período foram as TVs via satélite e a cabo, que também foram usadas para transmissão de conteúdo. E, por fim, na década de 1990 iniciaram dos cursos por computador (via CD-ROM) e depois pela internet.
A História do EAD no Brasil
Quem vê atualmente as pessoas aprendendo através do Ensino a Distância (EAD) em seus notebooks, tablets e celulares pode não ter ideia do quanto este campo mudou desde a sua criação. No começo da história do EAD o foco estava nos cursos profissionalizantes, hoje essa modalidade está disponível para todos os níveis de escolaridade, desde o ensino fundamental até a pós-graduação.
Porém, alguns pontos permanecem intactos de lá para cá, reforça o especialista: “Um deles é a separação física e temporal entre o professor e seus estudantes, que caracteriza o EAD. Outro é seu potencial de levar formação para pessoas que estão longe das universidades”.
No Brasil, o EAD surgiu com cursos de qualificação profissional. “O registro mais remoto data de 1904, com um anúncio nos classificados do Jornal do Brasil de um curso de datilografia (para usar máquinas de escrever) por correspondência”, conta o professor.
Um detalhe que ele observa é que, na década de 1920, o Brasil já contava com os primeiros cursos transmitidos pelas ondas do rádio, a novidade tecnológica da época. “Os estudantes utilizavam material impresso para aprender Português, Francês e temas relacionados à radiodifusão”, define.
Nas décadas de 1940 e 1950 começaram os cursos mais formais, sobre temas profissionalizantes, liderados pelo Instituto Monitor, depois pelo Instituto Universal Brasileiro e pela Universidade do Ar, patrocinada pelo Senac e pelo Sesc. “Até hoje algumas dessas instituições permanecem ligadas à formação profissional através de cursos à distância”, completa Dr. Italu.
Por outro lado, nas décadas de 1960 e 1970 surgem várias iniciativas de EAD em projetos para ampliar o acesso à educação, promover o letramento e a inclusão social de adultos. Com o passar do tempo, os cursos agregaram outros níveis de ensino, como o fundamental completo. E no final da década de 1970 começou em Brasília a primeira experiência de EAD nos cursos superiores. “Nesse período, muitos brasileiros já acompanhavam os telecursos, transmitidos pela TV. Esse modelo de EAD convivia com os formatos antigos, como o material impresso e o rádio, uma característica que se mantém até a década de 1990. Em meados da década, as instituições passam a utilizar a internet para publicar conteúdos e promover interações”, sintetiza o educador.
Foi nesse período que várias universidades formalizaram suas iniciativas EAD, até culminar com a criação, em 1996, da Secretaria de Educação a Distância (SEED), do Ministério da Educação (MEC). “Naquele mesmo ano o EAD no Brasil passou a contar com uma legislação abrangente que hoje garante, por exemplo, a validade de diplomas emitidos pelos cursos nesta modalidade”, destaca Dr. Italu Colares.
O EaD hoje no Brasil
Atualmente o EaD é uma modalidade consolidada no Brasil. São mais de 1.800 cursos, desde o ensino fundamental até a pós-graduação, que atendem quase quatro milhões de pessoas. As tecnologias baseadas na internet permitem a implantação de diferentes modelos de EAD, como por exemplo:
– Cursos predominantemente a distância, com encontros presenciais obrigatórios.
– Cursos semipresenciais, que promovem encontros semanais.
– Disciplinas a distância de cursos de graduação presenciais.
Neste início de terceira década do século XXI, em que a pandemia obrigou a esta mudança nos hábitos, Dr. Italu reforça que “a tendência é que a experiência de aprendizagem seja cada vez mais híbrida. Ou seja, uma pessoa pode fazer um curso presencial e ter uma carga horária de atividades a distância. Um estudante EAD pode passar por uma experiência tão rica de contato com seus professores e colegas que acaba prevalecendo a sensação de presença e proximidade no processo de ensino e aprendizagem”, finaliza
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