Ciclos e a necessidade dos recomeços

Diante desse grande desafio que é ser “mulher” ainda numa sociedade patriarcal, gostaria de compartilhar um pouco com vocês sobre a força que nós mulheres temos em renascer — diante das muitas vezes em que sabiamente precisamos morrer para dar espaço àquilo que realmente precisa nascer. Numa eterna sucessão de morte e nascimento, a força da natureza da mulher simboliza nossa sabedoria em conduzir às transformações necessárias para brilhar, lapidando nosso ser e nos transformando em verdadeiros diamantes.Para refletir um pouco sobre essa força da mulher, chamo a atenção para um conto que inspira muitas mulheres a renascerem e encontrarem sua essência na vida. No livro “Mulheres que Correm com os Lobos”, Clarissa Pinkola Estés descreve vários mitos e arquétipos da mulher e nos ajuda a refletir sobre nossos antepassados e como nos fortalecemos no decorrer de nossa história. A mulher-esqueleto, um de seus mitos que escolhi para citar nesse texto, nos ajuda a refletir sobre essa força que simboliza a natureza vida-morte-vida — nas quais lutamos constantemente. Falamos aqui de um mito onde essa mulher “magoa” seu pai, que a joga de um penhasco.Ao cair no mar, ela morre, sendo devorada por peixes e todos os elementos que a força do oceano tem. Nesse momento, a mulher deixa de ser filha; isso representa um rompimento, um luto ao sair de casa e precisar de transformação.

A mulher, que representa vida, agora morre. Seguindo o seu caminho, a mulher continua a sua jornada! Muitas pessoas não a percebem e às vezes ela mesma não encara suas dores. Porém, em algum momento, começamos a nos fortalecer e nos encantar pela vida, por pessoas e por amores.Nessa jornada, dores, decepções e tristeza podem fazer parte dessa mulher que quer renascer.Continuando o conto, em um determinado momento, assim como acontece em nossas vidas, a mulher esqueleto é encontrada por um pescador. Ao fisgá-la em seu anzol — acreditando ter pego um grande peixe —, ele se assusta ao ver essa mulher tão frágil e sem vida. Mas, mesmo com medo e assustado, o pescador a leva para casa. Quando a mulher esqueleto chega na casa do pescador, ele começa a retirar os linhas do seu corpo frágil, sente ternura e derrama uma lágrima; ela, com muita sede, se aproxima dessa única lágrima e encosta sua boca no rosto do pescador. A lágrima que lhe parece um rio percorre seus lábios e sacia a sua sede. Nesse momento, ela se aproxima ainda mais do pescador e, com suas mãos, toca seu coração, sentindo suas batidas como se o estivesse segurando com as próprias mãos. O som e a vibração lhe parecem música. Eu, lendo o texto original, imaginei um instrumento musical como o surdo, percussão que dá vida para aqueles que gostam de um bom samba, como eu. Bem, continuando o texto, a mulher esqueleto, enquanto sente as batidas do coração, vai se vestindo de carne, ganhando um corpo de mulher, com tudo o que ela pode ter: cabelos, seios, as formas e a beleza feminina se fazem presente. O feminino então surge e ela consegue se perceber mulher.Esse conto é mais longo do que descrevo aqui resumidamente, mas mostra o quanto uma mulher consegue superar e retomar a sua vida em um novo movimento. Claro que estamos falando de uma relação saudável, diferente de outros contos como o “Barba Azul”, que reflete as relações abusivas das quais precisamos nos afastar verdadeiramente. Aqui falamos da co-construção dessa mulher que renasce em outros papéis. Quando falamos da “Mulher esqueleto”, nos referenciamos à morte cíclica no sentido de nascimento, manutenção da vida e morte; e para renascer muitasvezes, nós precisamos olhar nos olhos dessa mulher esqueleto que habita em cada uma de nós, que não é tão bonita assim, que muitas vezes se sente insegura e frágil; em outros momentos, a baixa autoestima nos impede de continuar ou até mesmo sentir ciúmes de outras pessoas. Retirar as linhas e os anzóis da mulher esqueleto representa um olhar genuíno para a nossa mais profunda essência, incluindo os medos, dores e tristezas. E apenas esse olhar profundo nos ajuda realmente a fortalecer as nossas relações de forma mais saudável. Isso não reflete apenas na relação entre casal e sim nos diversos relacionamentos que cultivamos ao longo da história e que precisam de cuidados para renascer. Amplio a leitura do conto para refletir não apenas o projeto de parceria e sim de todas as relações: com amigos, filhos, profissionais, parceiros, entre outros. São relações que precisam de cuidados para que sejam saudáveis, respeitando e complementando-se genuinamente. Por fim, é necessário perceber o quanto somos fortes em superar os ciclos que precisam ser encerrados para abrir novos caminhos.E você? Como andam seus ciclos? Ainda existem questões que precisam ser visitadas para abrir um novo momento de vida e renascimento?Muitas vezes, as pessoas me procuram para fazer terapia quando estão nesse processo de luto e transformação. Olhar para si mesmo lhe permite despertar para o mundo. Seja a mulher que você quer ser e respeite as despedidas, lutos e mudanças que você quer e merece ter para ser feliz.

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